A primeira reunião de progresso, com a equipa do Camel Trophy, quase se tornou noutra prova da Lei de Murphy, que diz que se alguma coisa pode correr mal, então irá mesmo correr mal, e provocar o maior dano possível. Ou, ao que os programadores se referem: o “efeito demonstração”. Rodeados por elementos do Camel Trophy, enquanto explicavam o que já tinha sido feito e o que ainda faltava fazer (aguardando dados ou decisões), o software começou a ter erros aleatórios apesar de ter sido exaustivamente testado e validado. Os programadores começaram a sentir-se como os contribuintes em part-time da Run, que encontravam erros nos seus programas durante as reuniões editoriais. Uma experiência comum a todos, que levava à frase imortal: “Mas… em casa funcionou!”.
Actualmente, reiniciar o computador demora 1 minuto, no máximo, mas no ZX Spectrum as coisas eram mais lentas, especialmente porque os programas eram carregados de cassete. Durante os vários minutos necessários para ter o programa novamente operacional, o cérebro de Steed Kulka tentava encontrar causas para os erros, ao mesmo tempo que praticava técnicas de relações públicas, de forma a minimizar o incidente e distrair a audiência inquisidora. Do outro lado da mesa, Eugenio olhava para Steed com um ar perplexo, uma vez que ele sabia que o programa estava a correr sem problemas nenhuns, antes da demonstração. Desta vez, a frase “Mas… em casa funcionou!” podia ser confirmada por uma testemunha.
Por mero acaso, o 4º ou 5º erro aconteceu num momento de completo silêncio. Foi nessa altura que, atrás de Steed, se ouviu um click. Um dos membros do Camel Trophy estava encostado à parede, a brincar com um interruptor da sala do lado. O problema é que eles estavam num edifício do séc. XIX, com instalações eléctricas longe de serem novas, e brincar com o interruptor da luz provocava picos de corrente na instalação onde o computador estava ligado. Depois de identificada a causa dos erros, conseguiu-se terminar a apresentação, sem outros problemas.
Outro acontecimento curioso, teve lugar em casa de Eugenio, numa sessão de programação durante um fim-de-semana. Uma das disquetes ficou subitamente ilegível. Obviamente, não havia backups (caso contrário, a disquete não tinha deixado de funcionar). Depois de muitas tentativas em vão, Eugenio teve uma ideia: abriu a disquete, tirou o disco, pôs-lhe protector solar, limpou com água e sabão, deixou secar e voltou a montar tudo. Impressionantemente, a disquete voltou a funcionar! Todos os dados foram copiados o mais depressa possível, brincou-se com a nova “técnica” descoberta e chegou-se à conclusão que, por vezes, a tecnologia obriga a estratégias criativas, que desafiam a intuição e são tudo menos científicas. Não foi um pensamento consolador, uma vez que as semanas passavam rapidamente e, para cumprir os prazos, não se devia começar a praticar voodoo. Mas…
No início do trabalho, os progamadores do Camel Trophy Videogame interrogaram-se se o camelo podia trazer-lhes azar. Nenhum deles acreditava realmente nessas coisas, mas até o mais céptico reparou em acontecimentos estranhos, que estavam a ter lugar nos seus escritórios. Não eram os problemas habituais, que surgem em qualquer projecto, mas sim experiências desagradáveis com cada vez maior regularidade, a todos os que estivessem minimamente ligados ao desenvolvimento deste jogo em particular. Dizer a própria palavra “Camel” (camelo) era o suficiente para se ter de reiniciar todos os computadores da sala.
A falta de azar associada ao animal de bossas, rapidamente de tornou uma piada entre amigos e colegas de trabalho. Então, uma noite, Steed, Simone e Eugenio decidiram fazer um ritual: “sacrificaram” uma cassete com todo o código do Camel Trophy Videogame escrito até então, queimando-a num cinzeiro de plástico. Estranhamente, o fogo não deixou nenhuma marca no cinzeiro, ao contrário do que acontecia com os cigarros.
O código continuou a crescer enquanto se chegava a Agosto. Muitos foram de férias, evitando o calor húmido de Milão. Steed foi um dos poucos que ficou a trabalhar no escritório, juntamente com Bruno. A certa altura, Bruno teve a óptima ideia de pegarem nos computadores, monitores, impressoras, leitores de disquetes e outro equipamento e mudarem-se por uns tempos para a sua casa em Stresa, no Lago Maggiore. Mesmo que tivessem de passar o tempo frente a um ecrã de computador, essas seriam as suas férias de Verão.