A edição de 16 de Junho de 1995 do jornal “PÚBLICO” continha, na secção de Desporto, um artigo sobre o Camel Trophy Mundo Maya – 1995 e a preparação da edição Kalimantan – 1996. É descrita a passagem da caravana Camel Trophy pelos países visitados durante a edição de 1995, bem como os objectivos e organização de toda a prova.
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Camel Trophy – Mundo Maia 95
Redescobrir o homem
Carlos Filipe
Cinco países passados a pente fino, oito fronteiras cruzadas, 1700 km percorridos em três semanas, achados arqueológicos valiosos e a nova constatação da sobrevivência do povo e cultura maias. Assim se fez mais uma aventura do Camel Trophy.
Já está em marcha a organização do Camel Trophy’96, no Bornéu, a segunda maior ilha do globo depois da Austrália. Pisada pela primeira vez em 1985 pela organização Camel, e percorrida então de norte a sul, agora será atravessada de leste a oeste. A luxuriante selva deverá acolher a maior caravana de sempre do Troféu. E, muito provavelmente, a coluna poderá integrar uma equipa portuguesa.
Ausente desde 1983, Portugal deverá ser um dos países em foco, já que também está na mente da organização fazer a selecção dos concorrentes em território português. Para além de Espanha e Marrocos, será utilizada a zona de Vilar Formoso, no distrito da Guarda.
Para trás ficou o périplo pelo mundo maia. Belize, México, Guatemala, El Salvador e Honduras, zonas de influência da antiga civilização, que apesar do seu colapso resistiu aos tempos e ainda faz sentir a sua presença cultural e física. A conquista e colonização espanhola não impediram que ainda hoje os seus descendentes, estimados em um milhão de pessoas, evoquem as suas origens. O Camel Trophy, que pela primeira vez em 16 edições adoptou uma designação temática, foi em busca das raízes maias, embrenhando-se na densa selva tropical, trilhando os apagados rastos dos conquistadores espanhóis, tropeçando nos vestígios arquitectónicos, trazendo mesmo à luz do dia alguns dos objectos de culto ou de uso de eras anteriores a Cristo.
Tudo começou em Lamanai, no Belize, onde se realizou a primeira série de provas especiais, aferidoras das capacidades físicas e mentais das 20 equipas representantes de 19 países. Apenas as primeiras dificuldades de um percurso em coluna, que se seguiria, feito de adversidades, onde a capacidade de trabalho em grupo foi fundamental. A dupla russa foi a que mais sobressaiu então e arrebatou o troféu para o espírito de equipa. Os checos evidenciar-se-iam nas Provas Especiais, mostraram-se mais fortes na série seguinte e nos Desafios intermédios. Acabaram por triunfar na classificação geral, mercê da melhor conjugação dos dois factores valorativos, e logo no ano da sua estreia.
O rio Azul, hoje um pouco mais conhecido pela passagem da caravana de 33 Land Rover Discovery, marcou profundamente os concorrentes, participantes no projecto arqueológico do canadiano Rick Bronson, pioneiro e descobridor, em 1988, de uma importante cidade maia soterrada. Local inacessível a veículos motorizados, a caravana apeou-se e executou um árduo trabalho de levantamento do local e logo fez as primeiras descobertas. Coube à equipa das Canárias o primeiro e mais valioso achado: uma cerâmica intacta com 25 séculos.
Sem meios para se proceder a trabalhos mais intensos, a herança arquitectónica maia no Belize permanece na maior parte soterrada. De acordo com os peritos, mesmo em Xunantunich, onde está erigido um imponente castelo, as imediações, num raio de um quilómetro, escondem uma verdadeira cidade à espera de dinheiros para trabalhos de escavação. Desta forma, e pelo valioso contributo prestado à equipa de técnicos, as pesquisas arqueológicas foram o momento mais apreciado pelos concorrentes.
Uma das preocupações do Camel Trophy é não alterar em nada a fisionomia dos locais de passagem, forçando a passagem por trilhos já conhecidos, mas com o tempo devolvidos à selva. Depois, a luxuriante vegetação deu lugar ao elemento aquático, onde decorreu a segunda série de provas especiais. Sob temperaturas médias de 40 graus, o final da prova foi emocionante.
Ficou provado que esta expedição/aventura é muito mais exigente a nível físico do que se poderia supor. Os dotes de condução, ainda que importantes, são relegados para segundo plano e o triunfo pode muito bem ser decidido pela engenharia de ideias. Isto se houver perfeita conjugação de esforços entre as duplas, já que grande parte das tarefas são executadas por mais que uma equipa. Rafting, canoagem e grande identificação com cartas e orientação por bússola devem necessariamente fazer parte do programa de treinos dos futuros candidatos.
O resto é toda uma organização conhecedora da matéria. Não faltam os meios, no terreno, de logística ou de comunicações, impressionantes pela precisão de horários. O Camel Trophy, grande projecto de «marketing» da marca que lhe dá o nome, conduz os participantes à aventura, nos ambientes mais remotos e dificilmente acessíveis aos turistas acidentais. É mais um apelo à descoberta de si próprio, das capacidades físicas de cada um e uma oportunidade para fugir à rotina, de conhecer algo mais do que vem nos livros. A cultura no local, a aventura para o corpo.
(conteúdo publicado com autorização do jornal “PÚBLICO“)