Apesar de ainda não se chamar Camel Trophy, oficialmente, esta foi a aventura que lhe deu início. Em 1980, 3 equipas da República Federal Alemã, com 2 elementos cada, propuseram-se a percorrer 1600km da Rodovia Transamazônica. Projectada pelos militares Brasileiros em 1970, esta via tem 5100km, dos quais apenas 175km são asfaltados.
A sua construção foi baseada numa estratégia militar, que defendia que a Amazónia Brasileira estava desprotegida e não populada. Pretendia-se, assim, dotar a área de infra-estruturas que permitissem a fixação da população no local.
A obra implicou o abate de milhares de árvores, a construção de centenas de pontes e a deslocação de milhões de metros cúbicos de barro vermelho. Mas a Natureza não perdoou a intromissão Humana e, em pouco tempo, recuperou a faixa criada na Amazónia, fazendo com que durante uma parte do ano, a estrada fique submersa. O Governo Brasileiro chamou-lhe “Estrada do Século”, mas os habitantes da zona e os seus utilizadores baptizaram-na de “Auto-estrada das Lágrimas”, devido às más condições em que se encontra, lama e barro existente ao longo da via e às diversas dificuldades adicionais, que a tornam quase intransponível.
Segundo a história, por confirmar, desta primeira edição, os três veículos utilizados foram alugados localmente à Hertz. Às 06:00 do primeiro dia de viagem, os participantes puderam preparar os Jeep CJ6 com todo o equipamento que iria garantir o sucesso da aventura. Com início em Belém, seguiriam para Oeste, até alcançarem Santarém, percorrendo zonas da densa floresta Amazónica, alimentada pelo grande rio Amazonas.
O pó levantado pelos veículos era muito, já que a estrada de terra se encontrava bastante seca, pois já não chovia há algum tempo. Para que pudessem respirar no meio de tanto pó, os participantes tiveram de recorrer a máscaras.
Poucos kilómetros depois do início da viagem, enquanto percorriam a acidentada estrada, o resultado da preparação à pressa dos veículos foi visível, na forma de algum equipamento que ficou solto e caiu dos Jeep. Isto provocou uma grande demora nesta primeira etapa, pois foram obrigados a parar por diversas vezes, para reorganizar o equipamento e garantir a sua segurança.
Ao chegar a Tocatins, era necessário apanhar o ferry, que não era mais do que uma jangada de madeira. A fila de viaturas que aguardavam o embarque era longa, mas a caravana já tinha perdido demasiado tempo e não poderia dar-se ao luxo de o continuar a perder. Assim, a solução foi “incentivar” a polícia local, responsável pelo embarque, a deixar passar os três Jeep à frente de todas as outras viaturas. 400 cigarros e algumas T-Shirts foram suficientes, e permitiu que pudessem atravessar o rio ao início da noite.
Após o desembarque, já noite cerrada, os participantes tiveram de percorrer os 80km seguintes com bastante cuidado e em marcha lenta, já que se tornava quase impossível ver os obstáculos encontrados pelo caminho, recorrendo apenas aos fracos faróis dos Jeep.
Chegaram a Marabá, uma cidade mineira que fazia lembrar as cidades do Oeste Americano. Durante a prospecção do ouro, a cidade viu a sua população aumentar, em dois meses, de 15 mil para 100 mil habitantes. Mais facilmente se encontrava ouro, do que electricidade ou água potável.
Os organizadores da viagem tinham conseguido assegurar o alojamento dos participantes, meses antes, num hotel local. Cada quarto ficaria por $2.00/cama. No entanto, devido à “febre” do ouro, todos os quartos tinham sido já alugados, por $50.00 cada!
Sem quartos onde ficar, coube aos dois mecânicos de apoio, os brasileiros Alberto e Luiz, procurarem alojamento alternativo. Algum tempo depois, voltam com boas notícias: tinham encontrado quartos vagos, para todos, mas… eram no bordel local. Não havendo outra alternativa, tiveram mesmo de passar a noite em camas que, apesar de terem sido preparadas para a comitiva, estavam cheias de pulgas.
Na manhã seguinte, o médico que acompanhava o grupo, o Dr. Jurgen Aschoff, teve de dar a toda a equipa pomadas para aliviar as comichões.
A estrada em que seguiram, no segundo dia de viagem, à saída de Marabá, continua a ser tortuosa e bastante calma. Cruzaram-se, apenas, com 3 camiões, estando um deles capotado na berma da estrada. Grandes buracos e regueiros continuam a fazer parte do percurso, tornando a condução difícil.
Um dos Jeep dos participantes já mostrava sinais de desgaste, com problemas no carburador. Além disso, o peso do pneu suplente montado no capot, aliado à trepidação causada pelo terreno, fez com que as suas fixações se partissem. Um dos jerrycans montados no guarda-lamas direito perdeu a sua tampa e começou a espalhar gasolina por cima do capot e do compartimento do motor. Um dos participantes tentou dar o alerta, mas foi demasiado tarde. O veículo incendiou-se, não dando possibilidade nenhuma de o salvar. Perdeu-se, assim, completamente o veículo e equipamento da dupla Manfred Berger / Richard Knar.
Depois deste acidente, a comitiva ficou reduzida às duas restantes equipas, acompanhadas pelos dois mecânicos Brasileiros, uma equipa médica, a organização e uma pequena equipa de filmagem.
A viagem continuou por caminhos enlameados e cruzamentos de rio. Diversas horas foram dedicadas a desenterrar as viaturas, a empurrar e a puxar. Nenhuma delas estava equipada com guincho, o que tornava a tarefa mais trabalhosa.
Conseguiram chegar a Itaituba, uma cidade também dominada pelo ouro, mas bastante diferente de Marabá, no sentido em que a prospecção do ouro foi feita de forma organizada e controlada por apenas algumas pessoas, com mais recursos financeiros. Para efectuar o transporte de equipamento, trabalhadores, mantimentos, medicamentos, etc. para as diversas minas espalhadas pela selva, foi utilizado um pequeno aeroporto. Também o ouro era, depois, transportado da mesma forma, das minas para Itaituba. Todos os aviões utilizados neste transporte pertenciam à mesma pessoa.
Ao sair de Itaituba, em direcção a Santarém, os participantes entraram na fase final da viagem. Pelo caminho, aproveitaram para reabastecer os veículos em todas as “estações de serviço” por onde passavam. Na verdade, estas “estações” eram apenas umas cabanas de madeira, com bidões ferrugentos de combustível misturado com água da chuva. Para fazer a transferência do combustível contaminado para os depósitos das viaturas, era utilizado um bocado de mangueira.
Perto de outra travessia de ferry, e já a 12km do final da viagem, um dos Jeep fura mais um pneu, não havendo nenhum outro para substituição. Isso não o deteve, tendo prosseguido a viagem sem o substituir. A trepidação provocada era tanta, que o suporte da capota não aguentou e partiu-se. A tripulação limitou-se a tirar a capota e a deixá-la na selva.
Finalmente, e apesar de tanto os veículos como os participantes já terem sofrido bastante, conseguiram chegar ao final: o Hotel Tropical, em Santarém.
No entanto, tiveram mais um obstáculo: o porteiro do hotel não queria deixar entrar as equipas. Depois de 12 dias expostos ao calor, humidade, insectos e terreno acidentado da floresta Amazónica, ainda tiveram de convencer o gerente do hotel que eles eram, de facto, quem tinha reservado os quartos.
Ao entrarem no hotel, deixaram para trás uma guerra contra mosquitos e sanguessugas, fome e sede, exaustão e desespero. Mas venceram-na e, acima de tudo, venceram-se a si mesmos.
Com todas estas dificuldades, nascia a lenda do Camel Trophy.
No seu regresso à Europa, os participantes foram recebidos como heróis, não tendo a consciência, na altura, que tinham conquistado a imaginação de diversas nações pelo mundo inteiro. Ninguém ligado a esta primeira edição poderia imaginar o crescimento que o Camel Trophy teria nos anos seguintes e o sucesso que iria atingir.
Resumo da edição
Veículos dos participantes: Jeep CJ6
Veículos de apoio: desconhecido
Distância percorrida: 1400km
Equipas:
Alemanha – Klaus Karthna-Dircks / Uwe Machel (vencedores)
Alemanha – Fritz Fuchs / Heinrich Schoner
Alemanha – Manfred Berger / Richard Knar (não terminaram)
(conteúdo baseado em dados fornecidos por: Camel Trophy Owners Club e CamelTrophy.es)