Camel Trophy Videogame – ZX-Spectrum 48K

No Verão de 1985, uma mão-cheia de programadores informáticos escreviam código em Milão, numa luta contra o tempo para atingirem um objectivo ambicioso: lançar no mercado o 1º grande jogo comercial Italiano para o ZX-Spectrum.

O Camel Trophy Videogame seria a versão para computador pessoal, do evento anual que sempre atraiu a atenção do público em geral e da comunicação social, com as suas expedições fora-de-estrada, onde quer que uma ou mais (de preferência todas) características fossem encontradas: distância abismal da civilização, difíceis condições atmosféricas, malária e animais esfomeados.

PUB

Estava-se nos primórdios da revolução do computador pessoal. Pela primeira vez, a Tecnologia de Informação estava acessível aos consumidores, cumprindo a promessa de mudar para sempre a forma como as famílias viviam. Entre os benefícios defendidos e anunciados pelos publicitários encarregues de promover o que era, verdadeiramente, um produto revolucionário, incluía-se “um poder inacreditável para gerir as finanças pessoais, ajudar os seus filhos nos trabalhos de casa e organizar o seu livro de receitas na cozinha“. De facto, nem os pais do computador, como Charles Babbage e Vannevar Bush, devem ter alguma vez imaginado que seria possível organizar o livro de receitas na cozinha, com a ajuda de uma destas máquinas.

Conteúdo da caixa do Camel Trophy Videogame

Felizmente para os publicitários, e para o seu objectivo, os vendedores de computadores pessoais encontraram rapidamente um mercado diferente do nicho de donas-de-casa. O sucesso surgiu através da programação, dos jogos e dos entusiastas da programação e dos jogos. Uma grande base de clientes começou a comprar computadores, tão rápido como as fábricas os conseguiam produzir. O Apple II e o Texas Instruments TI-99 nos Estados Unidos, o Sinclair ZX-81 e o ZX Spectrum na Europa, o Commodore VIC20 e C64 no resto do mundo. O conveniente, apesar de caro, livro de receitas estava a levar milhões de famílias para o século XXI, quase 20 anos antes.

Número inaugural da revista Run

Mas o rápido sucesso do computador pessoal não foi igualado, pelo menos em Itália, pelos canais legais de distribuição de software. No início e meados dos anos 80, apenas poucos títulos, e muitas vezes antigos, podiam ser encontrados nas mesmas lojas de informática onde se vendiam, com mais retorno financeiro, hardware e periféricos. Aqueles que não se contentavam, apenas, em ler as críticas do fluxo incessante de novos e inovadores jogos de computador, lançados mensalmente nos mercados Inglês e Americano, não tinham outra alternativa senão comprar no estrangeiro. Esta não era uma tarefa fácil, numa altura em que os cartões de crédito ainda não eram usuais e os equipamentos de fax eram raros. A alternativa mais fácil e barata era seguir pelo canal da pirataria, muitas vezes ligado às mesmas lojas de informática acima referidas.

Mas as coisas estavam a mover-se até em Itália e, em Novembro de 1983, os utilizadores do ZX Spectrum podiam encontrar nas bancas o número inaugural da revista Run, a primeira “revista em cassete” que tinha de ser lida no ecrã de um computador. Com diversos artigos, excertos de código e jogos, a publicação bi-mensal foi fundada por Simone Majocchi, enquanto estava na Electtronica 2000, uma das publicações líderes da altura, para entusiastas da electrónica. Tornou-se rapidamente num editor independente, introduzindo o software para computador pessoal num dos canais de venda e distribuição mais comuns da Itália: as bancas de jornais e revistas. O sucesso da Run rapidamente gerou um fenómeno de cópia numa escala massiva, apesar de existirem diferenças importantes.

Simone Majocchi, em 1985

Além de ser patenteado, o conceito de “revista de computador em cassete” defendido pela Run era pouco apelativo aos seus competidores, por 2 outras razões: um ciclo editorial prolongado (a revista era publicada a cada 2 meses) e custos de produção altos. Considerando todas estas razões, os imitadores decidiram virar-se para a pirataria, em escala industrial. Traduzidos para Italiano, com um novo título e gráficos ligeiramente diferentes, jogos não licenciados, maioritariamente Ingleses para o Spectrum e Ingleses/Americanos para o Commodore 64, apareceram em grande número nas bancas. Não eram revistas, logicamente, mas sim colecções de jogos alterados, muitas vezes com mau funcionamento e pobremente traduzidos, que podiam surgir ao mesmo tempo em diferentes publicações, por diferentes editores e com títulos diferentes (para grande confusão dos utilizadores finais, especialmente aqueles ingénuos o suficiente para acreditar que estavam a comprar originais).

Eugenio Ciceri, em 2005

Produzir uma colecção de jogos piratas não era muito difícil: bastava uma fonte de software original, com novas chegadas semanais do estrangeiro, como o mercado paralelo já a fornecer as lojas de informática com menor reputação; alguns jovens programadores, encarregues de ultrapassar os cada vez mais avançados esquemas de protecção contra cópia; traduzir linhas de texto para Italiano e escrever instruções, muitas vezes incompletas; e umas instalações onde duplicar as cassetes, passando o original para dezenas de milhar de outras cassetes. Muitas colecções de jogos foram produzidos sem terem sequer um escritório editorial. Actualmente, diríamos que foram simplesmente subcontratados à jovem e empresária geração mostrada no filme War Games, génios informáticos cujo único objectivo na vida era, aparentemente, ultrapassar o número de jogos alterados no mês anterior. Criou-se uma autêntica linha de montagem industrial, que seria ajudada dentro de pouco tempo por um grande número de ferramentas (os chamados “interfaces” para copiar e alterar programas de computador residentes em memória). Por vezes, um editor pirata era levado aos tribunais, pelos poucos distribuidores de jogos realmente originais, importados e vendidos no mercado oficial.

Toda esta loucura das bancas era bastante diferente da Run, uma “revista” feita com paixão, com um número notável de material original. Porque apareceu primeiro nas bancas ou simplesmente porque era uma publicação “verdadeira”, num nível à parte das colecções de jogos, ou talvez porque tinha uma equipa editorial dinâmica, em breve a Run tornou-se um ponto de atracão para um grupo diverso de contribuintes regulares, todos a partilharem o desejo de experimentar o ZX Spectrum e aumentar a fasquia da programação comum daquela altura.

Bruno Molteni, em 2005

Muitos contribuidores freelancer tornaram-se, em pouco tempo, contribuidores permanentes e a tempo inteiro. O primeiro foi Eugenio Ciceri, que assumiu a função de “Supervisor Principal”. Como aconteceu a muitos depois dele, Eugenio apareceu uma vez no escritório, à procura de números antigos… e Simone Majocchi tornou-o num contribuidor. Steed Kulka, amigo e vizinho de Eugenio, acabou por tornar-se também membro da Run, sendo apresentado aos seus colegas em Julho de 1984 e assumindo as funções de “Supervisor Principal” das edições na Alemanha, Áustria e Suíça.

Outro leitor, transformado em contribuidor, depois de ir pedir números anteriores, foi Bruno Molteni, autor de um trabalho bastante interessante e útil, que permitia alterar o tamanho das letras mostradas no ecrã do ZX Spectrum. Isto provocou uma alteração visual da “revista”, dando-lhe um aspecto gráfico de maior qualidade e uma melhoria na sua leitura.

PUB