PÚBLICO – 29/Nov/1995

A 29 de Novembro de 1995, o jornal “PÚBLICO” publicou um artigo contendo uma previsão da edição Kalimantan – 1996. Nele, descrevem-se as dificuldades que irão ser encontradas pelos participantes do Camel Trophy, tanto a nível de exigência física individual como pelas características extremas do local onde se vai realizar.

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Camel Trophy — Kalimantan’96
E Timor ali tão perto…

Carlos Filipe

Das expedições científicas às modalidades de evasão, a selva do Bornéu tem atraído os mais diversos grupos de aventureiros. Agora, é a vez de receber a visita do Camel Trophy. Timor está perto e Portugal volta a ficar de fora.

Depois da Gronelândia e da Nova Guiné, o Bornéu é a maior ilha do globo, impressionante pela diversidade da fauna e flora e de inegável interesse antropológico. Razões mais que suficientes para voltar a ser eleita pelo Camel Trophy. Conhecida pelos aventureiros do Camel há dez anos e revisitada em 1993, voltará a ser explorada de 1 a 22 de Abril do próximo ano, ao longo de um percurso muito acidentado com mais de 1600km. «Kalimantan’96» («Rio de Diamantes», em indonésio) será o nome de código da missão.

A selva do Bornéu continua virgem, tendo sobrevivido aos violentos conflitos do Pacífico durante a II Guerra Mundial. Na vasta superfície da ilha, superior a 549 mil quilómetros quadrados, dominam as altas montanhas, balizas de território das soberanias indonésia (com quatro províncias a ocuparem dois terços do terreno), do sultanato independente do Brunei e dos estados malaios de Sarawak e Sabah.

De Bornéu a Timor — a ilha sob administração portuguesa invadida pelo regime de Suharto — não é longe. Por esse motivo, mais interessante seria a presença de uma equipa portuguesa na prova. Só que, apesar das recentes promessas da organização, Portugal continua excluído da aventura, ficando apenas na memória a já remota e única participação de uma dupla lusa em 1983, no Zaire.

Não há razão aparente para nova «reprise» do Bornéu, a não ser o seu particular feitiço, que arrebatou o director da prova, o escocês Iain Chapman, e que se pode explicar por três factores. O clima — imprevisível, mas que na generalidade é fortemente marcado pela monção, de Outubro a Maio, e com temperaturas médias oscilando entre os 26 e os 36 graus centígrados. A biodiversidade — a flora da selva do Bornéu, a segunda maior depois da Amazónia, permitiu a identificação até ao momento de 780 espécies de árvores numa restrita área de apenas dez hectares, enquanto a fauna é particularmente variada, destacando-se o orangotango como a espécie animal mais conhecida. A geografia — uma miríade de rios navegáveis e rápidos de grande caudal nos sopés das cadeias montanhosas do interior e a norte, com altitudes superiores a 1500 metros.

Os pisos de lama, cuja falta tanto se sentiu na última expedição, «Mundo Maia’95», serão uma constante em «Kalimantan», cerradas que estão as pistas, abandonadas pelas rotas comerciais que uniam as comunidades chinesa, javanesa e filipina que demandaram o território no início do século V da era de Cristo, antes de ali se instalarem colónias chinesas. Um período que se encerrou com a chegada de povos islâmicos, nos séculos XV e XVI e, posteriormente, dos europeus.

Caçadores de cabeças

O Camel Trophy, expedição reservada exclusivamente a amadores, apaixonados pelo todo-o-terreno e com gosto pela aventura, tem vindo, nos últimos anos, a dedicar particular atenção aos aspectos ecológicos e arqueológicos, podendo desta feita ganhar um novo ênfase a vertente antropológica. A cultura dayak, afamada comunidade indígena conhecida por «caçadores de cabeças», subsistiu aos tempos, existindo ainda na região e mantendo muitas das suas tradições, inclusivamente as armas específicas com que este povo se dedicava à conquista dos macabros troféus, ainda que se trate de uma prática há muito abandonada.

O espírito de grupo, a mais importante componente da competição no «Camel» e ao qual a organização atribui um troféu que distingue a equipa mais solidária e abnegada, será mais que em ocasiões anteriores, factor determinante para o bom curso da expedição. A extrema adversidade do ambiente no Bornéu requererá o recurso a todas as faculdades físicas e técnicas dos concorrentes. E não é por acaso que outra afamada prova para aventureiros, o Raide Gauloises, idealizado pelo jornalista francês Gerard Fusil, escolheu a ilha, na edição de 1994, para palco de actividades.

Numa interessante reportagem, publicada este mês na edição trimestral do «Notícias Auto-Sueco», são descritas as características peculiares do Raide Gauloises, que não é feito em todo-o-terreno como o Camel Trophy, mas sim a pé, em corrida, até à exaustão física e psicológica, e contra todos os elementos da natureza. «A corrida mais dura da terra no buraco do inferno», assim lhe chamou um concorrente francês. Forçosamente composto por equipas mistas, das mais variadas e vulgares profissões, admite apenas o uso de meios de locomoção não motorizados.

Diferente do Camel Trophy, portanto, mas semelhante na opção por uma das zonas mais intocadas do globo: as selvas tropicais do Bornéu.

(conteúdo publicado com autorização do jornal “PÚBLICO)

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